Estamos numa época difícil. Muitas perdas, mortes, luto em massa, sofrimento que, às vezes, pensamos que não irá terminar. Faz-se necessário, portanto, compreender um pouco como se dá o processo de luto e quais as suas principais reações para que identifiquemos essa experiência e saibamos lidar com ela.
O luto é uma reação natural a uma perda significativa. Essa perda pode ser real (morte) ou simbólica (em emprego, relacionamento, situações específicas). Neste texto, vou me ater a morte de um ente querido.
Somos seres de relação, desde a nossa infância estamos em constante contato com o mundo e estabelecemos vínculos importantes com as pessoas que cuidam de nós.
Esses vínculos perduram durante a nossa vida e se modificam. Quanto maior e mais forte o vínculo, mais uma pessoa torna-se significativa para a outra. O luto, portanto, surge como uma resposta a esse vínculo estabelecido. Por isso que, quanto maior o amor, maior o sofrimento diante da perda, pois o mundo conhecido, o “lugar seguro” não existe mais com a morte do nosso ente querido.
Essa ruptura pode gerar um intenso sofrimento e exige um tempo para que haja uma adaptação a esse novo “mundo”. Como uma experiência única, o luto deve ser visto como um processo individual, pois cada pessoa irá reagir da sua própria forma, apesar de haver reações comuns no enlutamento. As principais reações do luto podem ser divididas em quatro categorias: físicas, emocionais, comportamentais e cognitivas.
As queixas físicas do luto são: vazio no estômago, nó na garganta, falta de ar, hipersensibilidade ao barulho, fraqueza muscular, falta de energia, boca seca, aperto no peito. Já os sentimentos podem ser: tristeza, raiva, culpa, ansiedade, solidão, choque, fadiga, anseio pela presença do outro, desamparo, alívio, dentre outros. Os comportamentos podem ser: distúrbios do sono e do apetite, comportamento “aéreo”, isolamento social, sonhos com o falecido(a), choro, hiperatividade. E, por fim, as reações cognitivas são: descrença, confusão, preocupação, sensação de presença e alucinações.
Vale ressaltar que, por muito tempo, sobretudo nos últimos dois séculos, o luto tem sido estudado por muitos autores e explicado através de fases, processos e reações. Essas manifestações descritas foram compiladas em manuais de classificações de doenças, principalmente ao diferenciar o processo de luto da depressão. A pessoa enlutada pode apresentar alguns sinais e sintomas da depressão, contudo, são experiências diferentes.
É importante que essas reações citadas sejam compreendidas dentro de um cenário sociocultural, pois o luto é vivido de forma pessoal e única.
A morte é entendida e vivida de formas diferentes em várias culturas, logo, o processo de luto também é visto como algo singular nas culturas. No Brasil, por exemplo, ainda há um afastamento dessa temática, pois muitas pessoas consideram o tema da morte e do luto como um tabu.
Há medo de se falar sobre isso – ao mesmo tempo em que é também um tema “escancarado” nas mídias sociais, através do jornalismo e notícias de violência.
A vivência do luto não deve ser comparada com a de outras pessoas. O luto não é algo que deve ser superado, como se fosse um obstáculo, mas sim uma experiência que deve ser vivida e preenchida de significado. A perda de um pai não é a mesma coisa da perda do filho, ou de um tio, pois são pessoas diferentes, em situações diversas. A maneira de lidar com essas perdas é singular.
Deve-se considerar também o tipo de morte que ocorreu para que haja uma melhor compreensão do luto que será vivido. Uma morte natural, por doença crônica, é diferente da morte por Covid-19 ou algo súbito, por exemplo. A depender da forma dessa morte, a pessoa terá uma complicação maior ou menor no processo do luto.
Além disso, não há um tempo fixo para que o luto termine, pois ele não é um processo linear. O que existe são processos de readaptação e reorganização diante da perda, para que o enlutado consiga retomar suas atividades, mas sem se esquecer da pessoa amada.
Quando há um prejuízo nessa funcionalidade, uma paralisação constante diante da perda carregada de uma fragilidade emocional intensa, pode-se dizer que há um luto complicado, no qual exige intervenções especializadas de Saúde Mental.
Diante disso, o suporte social é algo fundamental no enfrentamento do luto. O enlutado vive uma crise que o desestabiliza e necessita de apoio para que consiga elaborar a perda. Seja da família, amigos, comunidade, o apoio auxilia no senso de pertencimento e ajuda o enlutado a trilhar esse caminho com menos dor.
Como diz Cicely Saunders, “o sofrimento só é intolerável quando ninguém cuida”.