O objetivo aqui é promover uma mínima reflexão sobre as emoções humanas e os transtornos mentais. Falar sobre esse tema é uma inquietação que já tenho há algum tempo, devido a minha atuação na clínica.
É muito comum alguns pacientes chegarem na consulta com um diagnóstico já preestabelecido, se definindo como depressivo ou ansioso, por exemplo. Alguns já sabem até qual medicamento irão pedir para o médico psiquiatra prescrever.
Entretanto, é importante ressaltar aqui o que são as emoções humanas.
A ciência define as emoções como sendo o estado mental e fisiológico relacionados a diversos sentimentos. Somos os únicos seres vivos do mundo com racionalidade, com capacidade de pensar. Assim, as emoções são inerentes a todos nós, seres humanos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define como Saúde Mental “O estado completo de bem-estar físico, mental e social. E não apenas a ausência de uma enfermidade”. Logo, se seguirmos essa lógica, a Doença Mental seria o contrário disso, um estado total de mal-estar físico, mental e social. Em tese, a medicina pode tratar esse mal-estar.
É importante pensarmos no nosso contexto atual: estamos realmente em uma epidemia dos transtornos mentais? Ou estamos apenas patologizando os problemas e emoções que são inerentes e naturais da vida humana?
Vamos pensar na nossa realidade hoje… por exemplo, há 20 anos atrás era muito raro um adolescente de 13 ou 14 anos ter um celular; falar inglês era um grande diferencial, mas se, hoje, o adolescente não chega ao ensino médio falando inglês fluentemente, com certeza estará em desvantagem e não se enquadra no perfil ideal para competir com mercado de trabalho, já no caso de não ter um celular para interagir nas redes sociais, provavelmente também não consegue se inserir nos grupos de amigos.
A sociedade contemporânea experimenta o imediatismo de tudo, vivemos em tempos em que o Ter é mais importante do que o Ser, queremos ter tudo muito rápido, vivemos a era dos relacionamentos superficiais e do amor líquido. A grande maioria de nós nos sentimos, de certa forma, pressionados a seguir os padrões impostos pela mesma; e, se você não se encaixa nesse padrão, você não consegue acompanhar o ritmo veloz da sociedade do espetáculo.
Estamos experienciando uma pandemia que já dura mais de um ano, vivemos um luto coletivo, chegamos a mais de duas mil pessoas mortas por dia pela Covid-19. Diante disso, temos milhares de pessoas enlutadas e em sofrimento.
Além do luto pela perda de um ente querido, também temos o luto por várias perdas como: perda do emprego; perda de uma rotina minimamente presumida; perda da liberdade e identidade, e esses são apenas alguns exemplos. Muitos chefes de família perderam o direito de ir em busca de comida para sua família. Vivemos em tempos de muitas incertezas e que não sabemos quando tudo isso irá passar.
Diante de todo esse contexto, como não se sentir ansioso, angustiado, triste e com medo em algum momento? Como saber lidar com esses turbilhões de emoções? Ainda mais considerando que a grande maioria de nós não fomos educados para lidar com os nossos sentimentos e emoções.
Certas emoções são normais diante de situações anormais, é normal um pai de família ficar minimamente ansioso e angustiado por não saber se vai conseguir alimentar seus filhos. Poderia dar outros exemplos como esse aqui, mas minha ideia é mostrar, por meio dessa reflexão, o quanto é necessário e saudável nos permitir sentir.
Se uma pessoa está triste, chorosa, sem querer sair da cama, porque sua mãe morreu, isso não é necessariamente uma depressão. Isso é o luto sendo vivido, isso é alguém sofrendo pela sua perda. Nem sempre há a necessidade de procurar um psiquiatra para se medicar. O luto é um processo que precisa ser vivido e não anestesiado.
Vejo que é relevante mencionar aqui o porquê de existir essa necessidade de patologizar as emoções, e há algo muito grandioso por trás dessa medicalização da vida. Não dá para falar sobre Saúde Mental e não pensar em políticas públicas no Brasil, já que o governo tem como grande finalidade manter o controle da sociedade e, para manter esse controle, é preciso rotular, enquadrar as pessoas no modelo biomédico.
Nesse contexto entra a indústria farmacêutica, para assumir a tarefa de medicar todas as psicopatologias descritas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mentais (DSM-5).
Outro ponto relevante de mencionar aqui e finalizar minha reflexão, é a ideia que as pessoas têm sobre a felicidade. Não existe felicidade plena, tudo é passageiro na nossa existência – tanto o sofrimento como a felicidade. Porém, existe uma alta cobrança social para que estejamos sempre sorrindo e, dessa forma, o sentir-se triste é visto como algo anormal.
Concluo que é de extrema importância se permitir sentir, seja tristeza, saudade, medo, alegria… todas as emoções, seja ela qual for. Entrar em contato com elas sem a necessidade de rotular e sem patologizar o sentir é um processo libertador. Infelizmente, estamos em tempos em que as pessoas preferem estar doente do que reconhecer que estão em sofrimento.
Mas parte desse problema pode ser resolvido com boas doses de Autoconhecimento! Um dos melhores remédios – e que não precisa de prescrição – para a racionalidade humana. O processo psicoterapêutico pode ser uma ótima solução para as pessoas se conhecerem e se entenderem melhor para, assim, conseguirem reconhecer e aceitar os momentos de sofrimento e separar sofrimentos e experiências comuns do viver a reais patologias, que são sérias e necessitam de cuidados.